Quentin Tarantino é o maior cinéfilo do mundo, dotado de um impressionante domínio técnico e linguagem narrativa. Seus trabalhos contam sempre com um marcante humor negro, diálogos ágeis e inteligentes e uma série de referências as obras que o inspiraram. Tudo isso envolto numa camada de violência exagerada que beira o explotation, que proporcionam ao espectador uma espécie de orgasmo sanguinolento.
Tarantino segue com a temática de “vingança” (cerne de seus seis últimos filmes) em “Django Livre”, fazendo uma sensacional mistura de seus gêneros favoritos o blaxplotation e o western spaghetii (como a história se passa no sul dos EUA, southern spaghetii). Oferecendo algo novo na sua filmografia, como uma preocupação social e política, metendo o dedo na ferida deixada aberta pela escravidão americana, que ainda reflete nos dias de hoje na forma do preconceito racial.
Como de costume Tarantino assume o papel de diretor/roteirista assinando o texto que narra a história de Django um escravo recrutado (e libertado) pelo caçador de recompensas alemão Dr. King Schultz, para identificar três foras-da-lei que estão em sua alça de mira. Concluído o trabalho, Django tomou gosto pelo ofício, passando a atuar como parceiro e aprendiz de Schultz, até que os dois passam a uma missão mais pessoal: resgatar a esposa do ex-escravo, Broomhilda, das mãos do sádico fazendeiro Calvin J. Candie.
A partir daí, Tarantino se diverte com suas referências aos ícones das filmografias de Sergio Leone e Sergio Corbucci, adotando elementos técnicos e narrativos típicos do gênero, como zooms rápidos e o letreiro estilizado que resume a trajetória da dupla durante o inverno. Outra referência aos western fica por conta das clássicas faixas do mestre Ennio Morricone que fazem parte da trilha sonora, que ainda contam com músicas bem ecléticas que variam de Jhonny Cash a RZA. Mas, o cinema de Tarantino não se limita apenas a referências, tendo como sua maior força diálogos densos e inteligentes, recheados de com um humor característico. Destaque para o diálogo (mais engraçado de sua carreira) entre membros de um grupo de racistas, precedentes a Klu Klux Klan, discutindo se deveriam ou não usar sacos na cabeça durante a incursão, devido à dificuldade de enxergar através dos buracos.
Outra marca desse diretor fantástico é sua preocupação em estabelecer personagens icônicos e memoráveis e “Django Livre” é recheado dessas figuras. Desde seu protagonista, vivido por Jamie Foxx, que é apresentado como uma figura amedrontada e calejado pelos anos de servidão e gradualmente vai ganhado força e segurança, se tornando dono de seu próprio destino e um herói disposto a subir a montanha e salvar sua amada das garras do terrível dragão.
Christoph Waltz encarna o alemão King Shultz, parceiro e mentor de Django. A química entre Waltz e Foxx é fundamental para que o filme funcione. A atuação de Christolph Waltz é brilhante, construindo um personagem irônico, altamente culto e com um vocabulário rebuscado. Suas infrutíferas tentativas de estabelecer um diálogo com os estúpidos e brutos escravagistas norte-americanos rendem cenas divertidas.
Leonardo DiCaprio confere todo intensidade a seu primeiro vilão, o sádico exibicionista Calvin Candie. O proprietário da Candyland é assessorado de perto Stephen, personagem de Samuel L. Jackson. Fragilizado fisicamente, mas intelectualmente afiado, Stephen gerencia os escravos da “Casa Grande” e serve como principal conselheiro de Calvin, tornando-se uma figura tão ameaçadora e desprezível quanto seu patrão.
“Django Livre” não é o trabalho mais estável de sua filmografia, mas certamente é um dos mais prazerosos. A película é altamente respeitosa com os afro-americanos, com o papel que eles exerceram para conquistar sua libertação e com sua cultura. Talvez esse seja o longa mais político da filmografia do Quentin Tarantino, mas mesmo assim mantém sua essência como as ótimas atuações, violência catártica (principalmente no clímax) e humor negro. Se o Spike Lee não conseguiu enxergar isso, ele é um completo imbecil.